quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Aprender a ouvir é um martírio
é estar em condição de quase sal
mesmo sem o vir a querer
dar margem ao que não se escuta
ao que ainda permite sentir-se
que embota e aflora os desejos
que se transforma a cada vão
aquilo que anuncia as vertigens
e faz do agora um sonho
...

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Eu que aprenda...

Eu que aprenda a levantar
Do meu
Do sucesso
Do limbo

Eu que aprenda a subir
Aos meus
Aos tombos
Aos risos

Eu que aprenda a ficar em pé
Sem meu
Sem a bengala
Sem o outro

E que eu aprenda
A minha ode.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Minhas Cadeiras


Desencontros são regras que estão vivos em todos os cronogramas de aula. O tempo não é justo e as dores não usam a função soneca, nem se atrasam depois do último sinal.
Acreditar em um sonho, vivê-lo e não realizá-lo é pior que sua permanência apenas no campo das idéias, já que quando ele chega o momento tão esperado já se transformou totalmente – e essas instruções também estão em anexo no plano de ensino.
As escolas mudam, trocam de nomes, e agora a minha se chama faculdade. Vários aspectos diferenciam os alunos nesse espaço, uma das principais são os títulos, e estes denominam alguns mais sábios que outros, diferentemente de outros tempos que todos eram bem parecidos no tamanho, nas dúvidas e na indisciplina. Nesse tempo apoiávamos-nos em mesas baixinhas e as cadeiras acompanhavam o nosso crescimento: todos apoiavam os pés no chão. Havia alguns colegas que eram mais gordinhos ou cresceram demais e então a cadeira ficava pequena e a solução era uma de pernas mais longas que ficava no canto da sala de aula; esta, que acomodava os grandões, não era colorida como as outras e as carteiras também não, lembrando que não havia carteiras de pernas longas, apenas cadeiras. Era muito difícil alguém querer sentar nelas, pois onde deveriam colocar as pernas? Era melhor espremer-se nas cadeirinhas.
Eu, pequenina, sempre tive medo daquela cadeira alta, não porque ela deixava de lado o azul-céu com margaridas de miolo vermelho - como a que eu adotei aos 6 anos -, mas porque um dia chegaria a hora de sentar naquela cadeirona  marrom de pernas verdes, e disso ninguém poderia escapar. Salvo alguns casos daqueles que foram para escolas que as cadeiras continuavam coloridas, só que agora decoradas com letras, sorvetes, lápis e tantos outros desenhos minimamente detalhados que minha imaginação permitir, e nessas escolas também se usava uniforme.
Sim, uniformes! O meu era um short-saia azul marinho com camiseta, meia e tênis brancos, nas escolas diferentes também havia os shorts-saia, mas além da camiseta de algodão tinha meia soquete personalizada e os pais não colocavam nome nos lápis.
Às vésperas do meu primeiro dia de ida para escola estava ansiosa para estrear a nova mochila e o caderno encampado impecavelmente com papel pardo, etiqueta com o nome e um plástico que só as mães são capazes de dominar. Na noite anterior as meias e uniforme comprados há semanas estavam passados e aguardavam a manhã que se aproximava e confesso que foi a noite menos dormida em 18 anos – nossa! Dezoito. E minha mãe me disse que um dia eu me lembraria daquele dia com saudade. Acho que esse dia chegou.
Entre os irmãos eu fui a última a estrear aquele uniforme e, talvez, por essa razão minha mãe não se comoveu com o meu olhar desesperado e nó na garganta que senti ao vê-la ir embora por entre as grades da cerca de arame farpado da escola. Estava feito! Eu estava onde sempre tive vontade de estar: entre crianças que não sabiam cantar as musiquinhas que a tia da pré-escola ensinaria – e eu sabia todas, afinal três irmãos cantam muito.
Os anos passaram e as cadeiras – aquelas coloridas, não só as com margaridas de miolo vermelho, mas as que tinham os adesivos de pic-nic – mudaram de cor e tamanho. Lembra quando eu tinha medo de sentar naquela cadeira marrom porque deixaria a minha azul que permitiam meus pés tocarem o chão? Pois bem, chegou o dia que eu a enfrentaria. Me preparei para uma batalha: uma nova escola, uma nova cadeira! Olhei para ela duas vezes antes de apoiar a minha mochila em seu encosto e começar a pegar o caderno, ela me olhava como se me conhecesse há anos e para mim era cada vez mais estranha. Depois de alguns momentos, talvez horas, que passamos nos olhando eu consegui – ou ela conseguiu me vencer – e lá estava eu sobre ela. Com as mãos que mal conseguiam alcançar a mesa que estava da altura do meu queixo eu tentava me ajeitar naquela cadeira enorme, mas era em vão e meus pés não alcançariam o chão ao menos pelos próximos 3 ou 4 anos. Para minha infelicidade maior escolhi a cadeira na primeira fileira e essa disposição era perfeita para que todos vissem o quão miúdas eram as minhas pernas.
Alguns anos depois minhas pernas conseguiram alcançar o chão, mas aí a minha meta já era outra: a formatura! Como seria o banco do cinema – onde a formatura aconteceria – será que eu conseguiria apoiar os pés no chão? Para a minha infelicidade não consegui por apenas alguns centímetros.
Quando as cadeiras deixaram de ser marrom e verde, passaram a ser bege e azul. Bem diferente do azul-céu de fundo das margaridas com miolos vermelhos, mas o azul sempre me agradou mais, porém essas cadeiras beges e azuis eram ainda maiores que as outras. Ah! Vai começar tudo outra vez? Não! Dessa vez fiz diferente, sentei no fundo da sala e experimentei, deu certo. Apesar de tocar apenas a ponta do tênis no chão eu já estava feliz, ou menos preocupada.
O tempo, aquele que não é justo, passou mais um pouco e eu precisava enfrentar mais uma batalha. Acho que essa última, e atual, foi menos dolorosa porque aprendi a deixar o relógio atrasado para que ele não alcance o meu tempo. Funcionou! E os meus pés alcançaram o chão com facilidade e, dessa vez, elas eram bege e preto e totalmente diferente das outras. Desconfortáveis e feias, mal cabem o caderno e um estojo, se eu ainda tivesse aquele que meu irmão fez na aula de marcenaria seria impossível não derrubá-lo com os movimentos do caderno. Pior ainda são os dias de provas, aqueles que te deixam inseguro o dia todo e quando você se senta naquela cadeira parece que ela diminui, mas não ficam mais próximas do chão apenas apertam.
Esse sonho é vivido há dezesseis anos. As minhas pernas continuam não alcançando o chão prescrito, meu queixo ainda dói quando descanso a cabeça sobre a carteira... Queria que as cadeiras fossem todas iguais, assim só haveria preocupação uma vez e quando a gente crescesse bastante e os pés ficassem bem apoiados no chão aumentariam alguns poucos centímetros as pernas da cadeira, ou ainda cada um trouxesse a sua cadeira de casa para que as canelas não doessem de tanto se esticarem.
Agora, na faculdade, a minha cadeira ainda é grande para mim. Quando as responsabilidades e as penas crescem, é hora de contornar com canetinha preta o campo que vive um adulto trabalhador inserido no ensino superior no Brasil. Nesse espaço, embora os pés fiquem bem apoiados no chão, as angústias do repensar esta realidade culminam ao passo que o massacre acontece. Massacre e massificação do saber que as cadeiras fazem desde o primeiro dia numa escola, e anterior a elas. Tudo o que eu mais queria é que a minha cadeira fosse reconhecida e o padrão bege e preto deixasse de pintar de tons pastéis as minhas noites.